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Música de Gabriel,o Pensador maio 30, 2009

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Estudo Errado – Gabriel O Pensador
Eu tô aqui Pra quê?
Será que é pra aprender?
Ou será que é pra aceitar, me acomodar e obedecer?
Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater
Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever
A professora já tá de marcação porque sempre me pega
Disfarçando espiando colando toda prova dos colegas
E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo
E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo
Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude
Mas meus pais só querem que eu “vá pra aula!” e “estude!”
Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi
Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde
Ou quem sabe aumentar minha mesada
Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?)
Não. De mulher pelada
A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada
E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!)
A rua é perigosa então eu vejo televisão
(Tá lá mais um corpo estendido no chão)
Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação
– Ué não te ensinaram?
– Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil
Em vão, pouco interessantes, eu fico pu..
Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio
(Vai pro colégio!!)
Então eu fui relendo tudo até a prova começar
Voltei louco pra contar:
Manhê! Tirei um dez na prova
Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova
Decorei toda lição
Não errei nenhuma questão
Não aprendi nada de bom
Mas tirei dez (boa filhão!)
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Decoreba: esse é o método de ensino
Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino
Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos
Desse jeito até história fica chato
Mas os velhos me disseram que o “porque” é o segredo
Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo
Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente
Eu sei que ainda num sou gente grande, mas eu já sou gente
E sei que o estudo é uma coisa boa
O problema é que sem motivação a gente enjoa
O sistema bota um monte de abobrinha no programa
Mas pra aprender a ser um ingonorante (…)
Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir)
Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre
Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste
– O que é corrupção? Pra que serve um deputado?
Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso!
Ou que a minhoca é hermafrodita
Ou sobre a tênia solitária.
Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (…)
Vamos fugir dessa jaula!
“Hoje eu tô feliz” (matou o presidente?)
Não. A aula
Matei a aula porque num dava
Eu não agüentava mais
E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais
Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam
(Esse num é o valor que um aluno merecia!)
Íííh… Sujô (Hein?)
O inspetor!
(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)
Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar
E me disseram que a escola era meu segundo lar
E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente
Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!
Então eu vou passar de ano
Não tenho outra saída
Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida
Discutindo e ensinando os problemas atuais
E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais
Com matérias das quais eles não lembram mais nada
E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada
Refrão
Encarem as crianças com mais seriedade
Pois na escola é onde formamos nossa personalidade
Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância a exploração e a indiferença são sócios
Quem devia lucrar só é prejudicado
Assim cês vão criar uma geração de revoltados
Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio
Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio…

Dias de Sombra,dias de Luz(RESUMO CRÍTICO) maio 22, 2009

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É um texo que nos convida a refletir grande questões em nossa sociedade.Sua importãncia está em lançar as realidades de modo que nos estimule a mudar a nação.

Uma das críticas mais firmes que pode-se notar-e afirmo isso porque é feita sem comoções-é a discução sobre o assacinato do João Hélio,que traz a complexa reflexão:quantos pontos de vista existem,quais são os corretos e quantas verdades são possíveis.E essa reflexão aparecem no texto mostrando que o assacino também uma vítima criada por nossa sociedade,e que o adolescente,apesar de vítima,também é culpado.

Outra verdade lançada a todos nós-de maneira chocante-é o erro comentido por todos ao julgar acontecimentos tomados pela emoção e não pela razão.E mostrado também a real face das leis e da “justiça”,lembrando-nos que a mesma nasce entre os homens,com os sentimentos e experiências dos homens,e não com deuses:logo imperfeita.

Após essa citações de erros-bem expostos mas não reconhecidos-de nossa sociedade o autor faz outro convite:o de buscar uma solução e contribuir na resolução dos problemas atuais.

E para terminar o texto ele faz afirmações pessimistas citando falhas constantes na classe dominante,que são o preconceitos com “pobres”; e a desistência da luta contra esse preconceito e contra os problemas atuais.Porém-para animar o leitor crítico-mostra a boa face da nação,que são os jovens que ainda acreditam que os “Dias de Sombra” passaram e também que existe uam chave para a saída:”UM SÓ MUNDO,UM SÓ POVO”.

CARTA DE REPÚDIO maio 14, 2009

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Eunápolis,19/04/2009

 

 

 

Excelentíssimo sr. Robério Oliveira

 Como cidadão e estudante venho por meio desta levar meu repúdio a atual  situação da nossa cidade,é com vergonha que vejo total desrespeito praticado por pessoas que foram eleitas para governar  e zelar  pela nossa cidade. 

Eunápolis se encontra cada vez mais abandonada, temos urubus se multiplicando por se alimentarem do lixo nas ruas.Cidadãos vivem presos dentro de suas casas,e ainda assim não estão seguros pois a marginalidade continua crescendo,graças à má qualidade do ensino público e ao desemprego.

 Com esses problemas jovens são desestimulados a estudar e consequentemente,não conseguem profissão,o que os obriga a optar pela marginalidade,fato que põe em risco toda a população 

É claro vale constar que todos esses problemas citados ocorrem principalmente nas populações mais pobres ,que é justamente a maioria desprivilegiada, e sendo a  maioria, a parte mais contribuinte para vossa eleição.E que ironia,sendo a parte mais importante na eleição e ao mesmo tempo a maioria,deveria  se a mais assistida e o que acontece e justamente o contrário.

 Só mais uma conseqüência de atos como esses é que a violência um dia vai te atingir.Seus filhos,esposa,parentes correram riscos mesmo com guarda-costas protegendo-os pelas ruas.Aos poucos o senhor e toda sua família seram obrigados a viver presos dentro das suas casas assim como os cidadão de nossa cidade,e talvez só assim haja a sua conscientização

 Fica aqui a minha insatisfação com vosso governo

                                                                                                                                                           Atenciosamente,

                                                                           Eduardo Vasconcelos

Dias de Sombra,Dias de Luz maio 14, 2009

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Começo pelas sombras. O Brasil vive uma escalada da violência urbana desorientadora. Quando a lista de atrocidades parecia esgotar-se, aparece mais uma figura do medonho, do horror dos horrores, a morte do menino João Hélio. Será que somos uma aberração coletiva apelidada de nação? Será que somos uma civilização sem amanhã? Talvez sim, talvez não. Seja como for, para evitar o dano mais grave é preciso admitir o evidente: criamos uma sociedade inconseqüente que se vê a braços com o pior efeito da inconseqüência humana: a carnificina monstruosa, na qual crianças matam crianças, sem se dar conta da imoralidade do que estão fazendo.

O assassinato de João Hélio por um adolescente que afirmou “não saber o que significa perder um filho assassinado porque nunca teve filho” mostra a face disforme do imaginário da terra de palmeiras onde cantam sabiás. O adolescente que disse ignorar o que é a dor de perder um filho assassinado porque nunca teve filho, exibiu, sem se dar conta, sua patológica cegueira de valores. Mas, sobretudo, mostrou que nunca teve a chance de saber o que é um pai, uma mãe, um filho, enfim, o que é amar e perder um ser amado a quem se deu a vida. Ao ser privado dessa experiência afetivo-moral básica, o jovem criminoso também foi privado de conhecer a distinção entre o justificável e o injustificável. A impiedosa engrenagem da miséria triturou sua capacidade de introjetar o sentido ético do que Levinas chamou de “infinita responsabilidade pelo Outro”!

Aí, porém, reside a trágica antinomia da condição humana. Apesar de não ter controle sobre as causas que o levaram a agir como agiu, o garoto é responsável pelo que fez, a menos que o consideremos um puro espectro humanóide, o que seria incomensuravelmente mais desumanizante. Podemos, é claro, conceder-lhe o benefício da ausência de consciência plena do crime cometido; podemos olhar com clemência a dolorosa história de vida que o fez praticar o que praticou, mas não podemos isentá-lo da autoria do seu ato. Conclusão: é nosso dever ético condenar e procurar mudar, por todos os meios possíveis, regimes socioeconômicos que favoreçam a formação moral de pessoas sem consciência do que seja crueldade. Caso contrário, estaremos permanentemente expostos a um terrível impasse ético, qual seja, não saber como julgar alguém que não teve condições de dar sentido a palavras como culpa, crime e castigo.

Renato Janine Ribeiro, ao comentar o homicídio do menino João Hélio, exprimiu esse mal-estar. A fantasia de vingança contra o assassino que lhe veio ao espírito, entretanto, nem significou incitação à tortura – longe disso!-, nem neutralidade moral em relação ao Bem e ao Mal. De minha perspectiva – e pode haver outra que não seja pessoal? -, ao escrever o que escreveu, ele pensou em carne viva e revelou um aspecto recalcado de nossa cultura, o convívio promíscuo com a barbárie. Reagindo como reagiu, mostrou o barro de que todos somos feitos, e seu discurso, por isso, foi objeto de numerosas contestações. Compreendo o sentido das objeções feitas, mas não concordo com a maioria delas.

Nós, universitários ou acadêmicos, não somos anjos prudentes com uma régua de virtudes à mão, prontos para dirimir, judiciosa e incansavelmente, o que é joio e o que é trigo. Nossa tola vaidade nos faz pensar, muitas vezes, que “os outros”, os incultos ou conservadores, podem tropeçar na própria ignorância e não saber o que dizem ou dizerem “não sei”. Nós, não! Nós somos embaixadores do Iluminismo, do Humanismo ou de qualquer outro “ismo”. Por conseguinte, vir a público falar do que sentimos em momentos de comoção moral e intelectual significa confessar o pecado leigo de lesa-razão! Crime, diz-se, é com a justiça, e fora da justiça não há salvação. Porém, o que chamamos de justiça, entendida como lei ou direito instituídos, não nasce da cabeça de Zeus. Nasce de um sentimento anterior, pré-reflexivo e pré-racional, adquirido mediante experiências psicológico-morais primárias, que ao longo das vidas pessoais e da vida cultural tornam-se familiares. Acontecimentos extraordinários do ponto de vista moral podem, assim, fazer-nos hesitar quanto à propriedade e a natureza do que julgamos justo ou injusto. Nestas situações, o moralmente indecidível pode emergir, posto que a enormidade do fato ocorrido força-nos a oscilar, de modo ambivalente, entre o “impiedoso, frio e impessoal” e o “compassivo, passional ou leniente”. Esse é um dos efeitos mais nocivos da anomia cultural: suportar a dúvida de estar sendo, simultaneamente, injusto com a vítima e com o algoz. No caso de João Hélio, como decidir entre a piedade devida a cada um e a equanimidade devida a todos? O que é mais justo: pedir o endurecimento na punição do responsável pela morte de uma criança inocente brutalmente assassinada ou argumentar, em favor do adolescente assassino, que ele jamais teve condições de entender, por questões psicológico-sociais, que o direito à vida é uma prerrogativa de qualquer ser humano?

Pode-se responder: podemos ficar ao lado dos dois, escolher um lado contra o outro, ou não querer pensar no assunto, pouco importa. O fundamental é que isto é da alçada da justiça válida para todos e não do arbítrio voluntarista ou dos espasmos emocionais de um só. Em parte, é verdade. Mas qual justiça, volto a perguntar? A dos códigos e protocolos ou a da aspiração ao respeito absoluto e inegociável pela singularidade do outro? O dilema é mais difícil do que se costuma fazer crer. Como bem apontou Olgária Mattos, não por acaso, Adorno, no julgamento dos nazistas, foi levado a dizer algo mais ou menos assim: não faria o menor gesto para condená-los à morte; não faria o menor gesto para poupá-los da morte! No mesmo tom, não foi algo semelhante que levou Hannah Arendt a dizer que há crimes sem perdão, pois aqueles a quem competeria perdoar já não podem mais fazê-lo, por terem sido mortos?

Naturalmente, o infeliz garoto assassino não é um nazista. Ele é um sobrevivente social a quem foi sonegada a mais elementar possibilidade de valorizar a vida do próximo. Isso – creio e defendo – é razão suficiente para julgarmos seu crime com indulgência, mas não é motivo para recalcar o horror que podemos sentir, ao imaginar o que João Hélio sofreu e o desespero alucinadodos pais que viram o filho ser morto como foi. O gênio da língua tarda, mas não falta. Dispomos, em português, de uma palavra para designar filhos que perdem pais, qual seja, “órfão”; não dispomos de palavra alguma para nomear o que se torna um pai ou uma mãe que perde um filho. Este estado é feito de uma dor que não se inscreve na linguagem. Ele é provação extrema; é o mais escuro vazio e a mais lenta agonia; é algo que nenhuma lágrima apaga, porque é a nudez implacável da morte no coração de uma vida que gostaria de não mais ser, e, que, no entanto, é obrigada a continuar sendo.

Diante dessa desmedida, afirmar que não se sabe o que fazer ou que se pode experimentar desejos de retaliação não significa jogar a ética na lama; significa mostrar que a malignidade de algumas circunstâncias sociais podem fazer o discernimento ético vacilar. Para alguns, isto é retórica vazia ou falta de coragem para tomar partido. Mas agir e pensar com justiça não é questão de tomar partido; é questão de experimentação sócio-moral, como sustentaram James, Dewey, Rorty; é questão de apostar, sem garantias e com riscos de frustração, na boa-vontade de nossos parceiros de vida em comum; é questão, enfim, do “perigoso talvez”, tão repetido pelo saudoso Derrida. O que fazer, então, para sanar este estado de coisas? Não há resposta fácil. Como, por exemplo, combater a secular injustiça brasileira, reforçando, ao mesmo tempo, as instituições democráticas, se dependemos, para isso, de parlamentares, que, na maioria, sequer se dão ao trabalho de ocultar do público a baixeza de seus mesquinhos interesses? Como fazer deste país um país tolerante, se os líderes intelectuais, empresariais, políticos etc, comportam-se como fanáticos encastelados em seitas ideológicas, sempre prestes a renunciar ao diálogo e à persuasão e a desqualificar com arrogância ou desdém a opinião do opositor? Como, enfim, restaurar o princípio da boa-fé atribuível, em primeira mão, ao outro, se vemos líderes políticos mentir despudoradamente ou empresários da locomotiva agrícola falando de “liberalismo”, enquanto literalmente escravizam ou deixam morrer por exaustão física seus empregados?

Não sou derrotista ou desistente. Há coisas nas quais podemos acreditar porque existem e podem ser feitas. Dou dois exemplos. O primeiro é o da conversa recente entre o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, e três governadores recém-eleitos. O ex-prefeito foi direto ao ponto: “polícia sem cidadania e sem reforma urbana é o mesmo que nada”. E, prosseguiu, “quando era prefeito, ao invés de gastar US$ 2,2 bilhões em auto-estradas que beneficiariam 15 %o da população de Bogotá, decidi usar o dinheiro em transporte público, e, com o que sobrou, investir em escolas de qualidade, bibliotecas, parques, ciclovias e melhorias das calçadas. Nós demos a cidade aos pobres que não tinham como usá-la”.

Tão simples quanto isso. Por que, então, já não fizemos o óbvio? Porque, de um lado, o arcaico senhoriato empresarial-político brasileiro empenhou-se em fabricar uma caricatura dos mais pobres como um bando de desclassificados indolentes, reprodutores irresponsáveis de criaturas que não sabem como alimentar e educar, e que, por isso mesmo, não merecem viver na mesma cidade que eles; de outro, porque boa parte dos que têm poder de agir na esfera pública e criticam essa concepção indigna do povo brasileiro demitiu-se, por cansaço ou decepção, da tarefa de formar uma elite comprometida com um projeto de nação. Elite, como bem disse a ministra Marina Silva, não é sinônimo de oligarquia vampiresca. Elite são os melhores; os que pensam e agem com a consciência da responsabilidade pública que têm, em função do poder social e da autoridade moral que souberam conquistar no legítimo exercício de seus talentos e competências.

Encontramos, neste ponto, o segundo exemplo, que nos foi dado a ver pelo cineasta João Jardim, em seu belo documentário Pro dia nascer feliz. O filme trata da escolarização de adolescentes brasileiros de pequenas cidades rurais do Nordeste, da periferia das grandes cidades do Sudeste e da alta classe média paulistana. O resultado é impactante. Como seria previsível, presenciamos a trajetória de garotos que terminaram cometendo crimes e foram parar nos aviltantes centros de detenção de menores. O mais importante, contudo, é a surpresa de testemunhar o vigor do desejo de auto-realização e de justiça que anima tantos jovens brasileiros que ainda não sucumbiram á lavagem cerebral do “este país não presta”. Da humilde garota pernambucana que supera obstáculos gigantescos para concretizar suas aspirações literárias ao depoimento de duas garotas da escola paulistana, o que vemos é o desenho humano do que deveria ser uma verdadeira elite. O caso das garotas privilegiadas, em especial, é ainda mais eloqüente, pois contraria em tudo o clichê de alienação e insensibilidade colado aos jovens desse grupo social. Em uma cena, duas dessas garotas conversam, e, ao se referirem à injustiça social que lhes deu tudo, privando a maioria de quase tudo, uma delas diz: “São dois mundos separados”. Ao que a outra, com uma acuidade intelectual cirúrgica, responde: “O pior é que não são dois mundos, é um mundo só”.

Eis uma das chaves da saída: um só mundo, um só povo. Com essa simples consciência, esses brasileirinhos decentes e encantadores mostram que possuem o senso de pertencimento a uma mesma comunidade de tradições, e, portanto, são capazes de reconhecer o direito dos demais ao mesmo respeito e oportunidade que lhes foram dados. No mundo deles – se permitirmos – mortes de inocentes como João Hélio serão lembradas, apenas, como dias de sombras que antecedem os dias de luz. No mundo deles – se permitirmos – a referência do pronome “nós”, na sensível expressão de Rorty, será estendida a todos os brasileiros e a todos aqueles que elegerem nosso país como um bom lugar para se viver. Sonho de bobo alegre, dirão os cínicos. Talvez. Mas – plagiando a rústica Macabéia de Clarice Lispector -, sem esse sonho, viver serve pra quê?

Jurandir Freire Costa

Trovadorismo maio 14, 2009

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Incelença pro amor retirante

(Elomar)

Vem amiga visitar
A terra, o lugar
Que você abandonou
Inda ouço murmurar
Nunca vou te deixar
Por Deus nosso Senhor
Pena cumpanheira agora
Que você foi embora
A vida fulorô
Ouço em toda noite escura
Como eu a sua procura
Um grilo a cantar
Lá no fundo do terreiro
Um grilo violeiro
Inhambado a procurar
Mas já pela madrugada
Ouço o canto da amada
Do grilo cantador
Geme os rebanhos na aurora
Mugindo cadê a senhora
Que nunca mais voltou
Ao senhô peço clemência
Num canto de incelença
Pro amor que retirou.
Faz um ano in janeiro
Que aqui pousou um tropeiro
O cujo prometeu
De na derradeira lua
Trazer notícia sua
Se vive ou se morreu
Derna aquela madrugada
Tenho os olhos na istrada
E a tropa não voltou

Música Trovadoresca maio 14, 2009

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Sozinho
Caetano Veloso

Composição: Peninha

Às vezes, no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado, juntando
O antes, o agora e o depois
Por que você me deixa tão solto?
Por que você não cola em mim?
Tô me sentindo muito sozinho!

Não sou nem quero ser o seu dono
É que um carinho às vezes cai bem
Eu tenho meus desejos e planos secretos
Só abro pra você mais ninguém
Por que você me esquece e some?
E se eu me interessar por alguém?
E se ela, de repente, me ganha?

Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca pra fora
Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?

Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca pra fora
Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?

Música do Trovadorismo maio 14, 2009

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Queixa
Caetano Veloso

Composição: N.Siqueira / E. Neves

Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza

Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza

Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa

Um amor assim violento
Quando torna-se mágoa
É o avesso de um sentimento
Oceano sem água

Ondas, desejos de vingança
Nessa desnatureza
Batem forte sem esperança
Contra a tua dureza

Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa

Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria

Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito esta queixa

Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Amiga, me diga…

maio 14, 2009

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O Trovador
Altemar Dutra

Composição: (Jair Amorin / Evaldo Gouveia)

Sonhei que eu era um dia um trovador
Dos velhos tempos que não voltam mais
Cantava assim a toda hora
As mais lindas modinhas

De meu rio de outrora
Sinhá mocinha de olhar fugaz
Se encantava com meus versos de rapaz

Qual seresteiro ou menestrel do amor
A suspirar sob os balcões em flor
Na noite antiga do meu Rio
Pelas ruas do Rio
Eu passava a cantar novas trovas

Em provas de amor ao luar
E via então de um lampião de gás
Na janela a flor mais bela em tristes ais

maio 14, 2009

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Natal na barca

Lygia Fagundes Telles

Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o. rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

— Mas de manhã é quente.

Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

— Quente?

— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

— Mas a senhora mora aqui perto?

— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era sereno.

— Seu filho?

— É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem mas piorou de repente. Uma febre, só febre… Mas Deus não vai me abandonar.

— É o caçula?

Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar tinha a expressão doce.

— É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

Joguei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

— E esse? Que idade tem?

— Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… A última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los.

— Seu marido está à sua espera?

— Meu marido me abandonou.

Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos vasos comunicantes.

— Há muito tempo? Que seu marido…

— Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma brincadeira, a Bila enfeiou, sabe que de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.

— A senhora é conformada.

— Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.

— Deus — repeti vagamente.

— A senhora não acredita em Deus?

— Acredito — murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas…

Ela mudou a posição da criança, passando-a do ombro direito para o esquerdo. E começou com voz quente de paixão:

— Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma noite tão desesperada que saí pela rua afora, enfiei um casaco e saí descalça e chorando feito louca, chamando por ele! Sentei num banco do jardim onde toda tarde ele ia brincar. E fiquei pedindo, pedindo com tamanha força, que ele, que gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me aparecer só mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante, ao menos mais uma vez, só mais uma! Quando fiquei sem lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como dormi. Então sonhei e no sonho Deus me apareceu, quer dizer, senti que ele pegava na minha mão com sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no jardim do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu encontro e me beijou tanto, tanto… Era tamanha sua alegria que acordei rindo também, com o sol batendo em mim.

Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para dominar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto.

Debrucei-me na grade da barca e respirei penosamente: era como se estivesse mergulhada até o pescoço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim

— Estamos chegando — anunciou.

Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir antes que ela descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo a marcha, a barca fazia uma larga curva antes de atracar. O bilheteiro apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:

– Chegamos!… Ei! chegamos!

Aproximei-me evitando encará-la.

— Acho melhor nos despedirmos aqui — disse atropeladamente, estendendo a mão.

Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento como se fosse apanhar a sacola. Ajudei-a, mas ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi, antes mesmo que eu pudesse impedi-lo, afastou o xale que cobria a cabeça do filho.

— Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre.

— Acordou?!

Ela sorriu:

— Veja…

Inclinei-me. A criança abrira os olhos — aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem conseguir falar.

— Então, bom Natal! — disse ela, enfiando a sacola no braço.

Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que ela desapareceu na noite.

Conduzido pelo bilheteiro, o velho passou por mim retomando seu afetuoso diálogo com o vizinho invisível. Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda para ver o rio. E pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e quente.